Cena 1: Você vai numa loja de 1,99 e compra um importado de qualidade duvidosa por R$4,99. Paga com uma Arara (nota de R$10,00) e recebe uma Garça (nota de R$5,00) de troco. E o Pedrinho (moeda de R$0,01) que falta?
Cena 2: No supermercado a compra fica em R$23,47. Você paga com uma Onça-pintada (R$50,00) e recebe um Mico-leão-dourado (R$20,00), uma Garça (R$5,00), um Beija-flor (R$1,00) e um Barão (R$0,50). Se você reclamar o restante do troco, e apenas se reclamar, leva o Tiradentes (R$0,05) mais uma careta do caixa e risadinhas das pessoas a volta.
Via de regra a resposta que obtemos nestas situações é que "não temos moedas de um centavo, posso ficar te devendo?", ou "aceita uma bala de troco?". Isto quando há alguma resposta, casos em que eu, a contra-gosto, muitas vezes deixo por menos e não exijo o troco devido. Porém, muitas vezes o nosso interlocutor simplesmente ignora o fato que o troco está incompleto, numa mais absoluta falta de respeito. Quando isto acontece eu costumo exigir o troco (e haja paciência para aguentar as gozações, piadinhas, risadinhas, comentários e o sorriso amarelo a nossa frente).
O desprezo pelas moedas de um centavo é tão grande e já está tão incorporado à nossa cultura que não nos damos conta do grande mistério que cerca esta questão: onde estão as moedas de R$0,01? Isto mesmo, acredite, um mistério digno de Sherlock Holmes, Hercule Poirot, ou até mesmo de uma CPI no Congresso Nacional. Uma rápida consulta no site do Banco Central do Brasil revela a quantidade de cédulas e moedas em circulação (em poder do público e da rede bancária). Veja nas tabelas abaixo as quantidades atuais de moedas.
MOEDA - 1A. FAMILIA (INOX) | ||
Denominação | Quantidade | Valor |
0,01 | 1.990.800.197 | 19.908.001,97 |
0,05 | 1.319.414.485 | 65.970.724,25 |
0,10 | 1.400.560.566 | 140.056.056,60 |
0,25 | 425.886.478 | 106.471.619,50 |
0,50 | 481.779.165 | 240.889.582,50 |
1,00 | 35.449.092 | 35.449.092,00 |
Total = | 5.653.889.983 | R$ 608.745.076,82 |
Posição em 21.06.2007 |
MOEDA - 2A. FAMILIA | ||
Denominação | Quantidade | Valor |
0,01 | 1.199.355.555 | 11.993.555,55 |
0,05 | 1.530.824.898 | 76.541.244,90 |
0,10 | 1.722.578.227 | 172.257.822,70 |
0,25 | 813.712.616 | 203.428.154,00 |
0,50 | 566.873.902 | 283.436.951,00 |
1,00 | 696.900.895 | 696.900.895,00 |
Total = | 6.530.246.093 | R$ 1.444.558.623,15 |
Posição em 21.06.2007 |
Só de moedas de R$0,01 há quase 3 bilhões e 200 milhões em circulação, ou melhor, deveriam estar. Há quase tantas moedas de R$0,01 que a soma das moedas de R$1,00, R$0,50 e R$0,25 juntas. Estas últimas não estão em falta. Já as de um centavo, onde estão? Algumas possíveis respostas:
- Nas casas, em cofrinhos? Eu não guardo muitas moedas R$0,01 e não conheço ninguém que o faça de forma a afetar o meio-circulante;
- Nos bancos? Os caixas dizem que não têm moedas.
- No comércio? É mais fácil achar balinhas de menta.
- Perdidas? Será que alguém já procurou nos achados e perdidos do metrô?
- Seqüestradas? Humm, quase 32 milhões de reais em moedas devem valer um alto resgate. O problema é o cativeiro para 7 mil toneladas das pequeninas.
Veja também: Ô malandragem, dá um tempo* - 1 e Cédulas e Moedas.
Em tempo: a pesquisa "O brasileiro e sua relação com o dinheiro" (DataFolha/BC, 2005, PDF - 1,1 MB) indica que nem o público e nem os comerciantes sentem muita falta do Pedrinho. Ou seja, provavelmente sou parte daquela minoria chata [sic] que pede todos os centavos do troco. De qualquer forma o mistério continua: onde estão aqueles 3 bilhões de moedas de um centavo?
2 comentários:
Realmente, no Brasil existe essa 'cultura' de ignorar o tal do 0.01 centavo. Eu passei por uma situacao classica dessa ridicula 'cultura' e falta de respeito. A caminho para Dunas de Itaunas no ES, paramos em uma cidadezinha para ir ao supermercado. Fizemos as compras e pagamos. Na hora de receber o troco, estava faltando uns 3 centavos. Ao mencionar a falta para a pessoa do caixa, recebo o classico troco 'em troca' dos 3 centavos: balinhas. Indignada, falei que queria o troco e nao balas. O caixa falou que nao tinha o troco. Sem me encomodar com a situacao desagradavel que surgira e olhares 'feios' ao meu redor, perguntei para o caixa: Posso entao pagar a minha compra com balinhas? O caixa, ja nessas alturas, muito irritado (nao sei por que),respondeu que nao; eu nao poderia pagar com balinhas. Entao, com muita calma eu repliquei: Entao, quero meu troco. Nao saio enquanto nao tiver meu troco. O caixa quase explodiu de raiva (mais uma vez, nao sei por que);abriu um pacotinho fechado de moedinhas de 0.01 centavos e me deu o troco devido. As moedas estao sim na area, sao as pessoas que parecem nao querer passa-las para frente. Motivo: boa pergunta.
São as pequenas coisas do dia a dia que constituem a diferença entre diversos países:
Na ALEMANHA, não receber a troca ultra-correta nos caixas seria coisa impensável!
Temos mesmo um proverbio que fala do assunto:
"Wer den Pfennig nicht ehrt, ist des Talers nicht wert!"
(Quem não respeita o Centavo não vale o Real)
Tomando em consideração que hoje em dia, não temos mais "D-Mark" nem "Pfennig"(0,01 DM) nem "Taler"(moeda nos séculos passados), mas o Euro - mas que o proverbio citado ainda está utilizado, mostra bem a nossa relação com o trocado e o dinheiro em geral.
Fato engraçado: Os "Euro-Centavos" se chamam "Glückspfennig" (Centavos de sorte) e descobrindo um centavo no solo, a gente o levanta com um sorriso feliiiiz...:-)
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