sexta-feira, 27 de abril de 2007

O tempo do desenvolvimento

Fornecedor que não cumpre os prazos combinados, cliente que atrasa o pagamento, funcionários que se acham por passar o patrão para trás, funcionário público que age como se estivesse nos fazendo um grande favor. Infelizmente esta é uma realidade que conhecemos muito bem. O chamado "jeitinho brasileiro", a nossa tradicional falta de pontualidade, a "Lei do Gerson", são todos fatores cujo impacto negativo em nossa sociedade são indevidamente menosprezados. Cláudio de Moura Castro captou uma faceta desta triste cultura no artigo que reproduzo a seguir, publicado na Revista Veja no dia 24 de março de 2004. Veja também O palimpsesto do tempo, por Fernando H. da Silveira Neto

Ponto de vista: Claudio de Moura Castro

O tempo do desenvolvimento
"Quanto mais tempo se perde por desorganização ou esperando pelos outros, menos tempo se utiliza produzindo e menos riqueza é gerada"
Levei minha moto para ser consertada em uma pequena oficina no centro de Genebra. O mecânico abriu uma agenda (como as de médico) e me instruiu para que em oito dias voltasse com a moto às 2 horas e que fosse buscá-la às 3h15. E assim foi. Ainda naquela região, procurei um carpinteiro. Sem olhar a agenda, ele foi logo dizendo que estava ocupado pelos próximos três meses. Contudo, havia uma chance no fim de semana seguinte. Se chovesse, nada feito, não se abre telhado com chuva. Se fizesse sol, ele ia escalar um pico próximo. Mas, se o tempo estivesse nublado, aí talvez fosse possível. As cartas estavam na mesa, com toda a sinceridade.

Um professor chinês em Yale, segurando a xícara de café, ficava olhando o ponteiro de segundos do relógio da sala de aula. Quando marcava 8 horas em ponto, começava a aula. T. Watson, o legendário presidente da IBM, marcava reuniões para começar em horas quebradas, como 1h58. Quem chegasse depois pagava uma multa proporcional aos minutos de atraso. Na mesma IBM, um alto funcionário brasileiro quis apresentar um projeto na reunião de diretoria da sede. Recebeu uma alocação de, exatamente, 48 segundos para sua "conferência". Freqüentemente sou convidado para participar de seminários na Europa. Os convites chegam quase sempre com mais de um semestre de antecedência

Nos Estados Unidos é prática corrente lojas e oficinas darem um prazo máximo para a entrega dos serviços. Em geral, terminam antes. Mas o cliente planeja sua vida para o prazo máximo.

Ilustração Ale Setti

Aqui em Pindorama vivemos numa sociedade que mescla o melhor e o pior do respeito pelo tempo. Eu tinha um amigo radicado nos Estados Unidos. Na época em que morou no Rio, ele costumava marcar com seus colegas de tênis partidas para o dia seguinte. Não apareciam ou chegavam atrasados. Voltando a Washington, passou a marcar partidas com mais de três meses de antecedência. Na hora aprazada, estavam todos lá.

Na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, a conferência marcada para as 10 horas começará em horas diferentes, dependendo do ministério. No Itamaraty, começa na hora. Na área econômica, cabem alguns minutos de tolerância. Na área social, estão todos muito ocupados, e meia hora de atraso não é incomum. Curioso, os ministérios mais eficazes são aqueles em que as reuniões começam na hora.

Quem marca com o consertador do computador, da televisão, da pia ou da máquina de lavar terá uma surpresa se a criatura vier ¿ e mais ainda se chegar na hora marcada. Já nas empresas modernas, a chance de andar no horário é bem maior.

Mas o esplendor da irresponsabilidade com o tempo dos outros está nas burocracias públicas. Quanto comerá do PIB o tempo perdido por esperas e complicações desnecessárias? Muitas empresas brasileiras deixaram de financiar tecnologia com dinheiro mais barato da Finep pelo risco fatal de atrasos nos desembolsos. E os prazos erráticos do Judiciário? Na Educação, os alunos esperam pelos professores e vice-versa, malversando o tempo da educação.

Tais exemplos dizem o que todos já sabem, pelo menos na teoria: tempo é dinheiro. A riqueza é resultante do trabalho. O trabalho é a aplicação do tempo em atividades produtivas. Quanto mais tempo se perde por desorganização ou esperando pelos outros, menos tempo se utiliza produzindo e menos riqueza é gerada. E isso sem ganhar em lazer.

Alguém disse a Akio Morita ¿ o fundador da Sony ¿ que o Brasil era pobre porque os brasileiros eram malandros. A sua resposta é que via os brasileiros trabalhar até mais do que os japoneses. Mas eram pobres pelo mau uso do tempo.

É interessante notar que a famosa técnica japonesa do "just in time" não passa de uma forma de sincronizar o trabalho de um com o de outro, de tal forma que nem trabalhador nem matéria-prima fiquem parados esperando.

O respeito pelo tempo dos outros aumenta a produtividade social, pois o tempo de todos não é desperdiçado pelas esperas. Aliás, fazer com antecedência é mais rápido e mais barato. Planejamento é isso. O tempo do desenvolvimento é o aprendizado social de estruturar o tempo de cada um e cada um não atrapalhar o tempo dos outros.

Claudio de Moura Castro é economista
(claudiodmc@attglobal.net)

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